“DE” OU “PARA”? A PREPOSIÇÃO E OS PROBLEMAS

Desde o dia 16 (quarta) acontece a 6ª edição do Festival Literário de Birigui – FLIBI. “De” ou “para”?

Vejamos:
a) a ação é desenvolvida a partir de verba oriunda da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, por meio de edital do Programa de Ação Cultural – ProAC. O investimento do município é mínimo e se resume, basicamente, na cessão de equipamentos públicos e de servidores para realização do evento;


b) as principais atrações não são de Birigui, nem da região. Escritores e artistas de Birigui e região compõem agenda secundária, em horários poucos expressivos e com alunos da rede municipal levados para preencher plateia. Alunos e professores, por exemplo, não participam da escolha dos escritores ou interlocutores que irão falar com eles;


c) não se trata de um programa de governo ou de política pública municipal que possa “sobreviver” em qualquer gestão, já que não há rubrica específica para o evento. Antes, a ação está na dependência de uma ou duas pessoas e da boa vontade destas para que, talvez, a ação continue, a depender do edital da Secretaria de Estado ou qualquer outro.


Portanto, talvez a preposição “para” fosse mais adequada. Mas isso, nem de longe, é um problema em si, a par das questões linguísticas intrínsecas a ela. Os problemas de fato são:


a) criar a sensação na população, a partir dessa ação, de que o compromisso com o livro, a literatura e a leitura está sendo cumprido. Por mais que se tenha uma repercussão midiática positiva e que, também, eventos desse tipo sejam importantes, a formação de leitor, o acesso ao livro e à literatura, o estímulo à escrita etc. demandam muito mais esforços e investimentos que não se restringem a três ou quatro dias, com ações pontuais neste ou naquele espaço da cidade, com este ou aquele público. É preciso que todos e todas tenham acesso ao livro e às políticas públicas ligadas a ele;


b) a própria concepção de “literatura” apregoada e difundida no FLIBI está muito aquém do que compreendemos por literatura e literário. Por mais que alguns nomes sejam interessantes, sobretudo do ponto de vista midiático, livros de autoajuda, blogueiros, cantores etc. não podem ser tratados como “literários/tos”. Literatura e poesia são produções específicas, com natureza e fins específicos e que merecem um olhar mais apurado tanto por parte de quem escreve quanto de quem lê. Mas isso pode ser facilmente resolvido com a escolha de um curador ou curadora que, de fato, compreenda e domine literatura, a exemplo de outros eventos literários no País, cuja escolha do curador ou curadora é feita um ano antes do evento, dando o devido respeito à ação;


c) há uma lei federal, a 12.244/2010, que determina a obrigatoriedade da presença de bibliotecas em todas as escolas públicas e particulares brasileiras, com acervo mínimo e com bibliotecários em todas elas; o prazo para que seja cumprida vence em maio do ano que vem e, até onde sei, a maioria dos municípios não a cumpriu ou a cumprirá. Isso, sim, é um gesto prático de valorização do livro, da leitura, da literatura e dos profissionais que fazem com que crianças, jovens e adultos leiam e cresçam intelectualmente;


d) quantas bibliotecas públicas há pela cidade? Os bairros mais carentes possuem bibliotecas? Há acervos atualizados? Há bibliotecários, monitores de leitura, contadores de histórias em todas elas? Há espaços e acervos destinados aos diferentes públicos que as frequentam? Quantas possuem serviços informatizados? Há acessibilidade nelas para os mais diferentes usuários com necessidades específicas? Como são/estão os prédios? Qual foi a última compra para atualização do acervo delas?;


e) sabemos que a escola ainda é o espaço privilegiado e, por vezes, único para que muitos de nós (e a maior parte da população) tenha acesso a bens artístico-culturais, entre eles, o livro. Sendo assim, gostaríamos de saber: Há grupos de estudo na Secretaria de Educação contemplando este tema, envolvendo diretores, supervisores, coordenadores pedagógicos, professores, auxiliares da educação infantil etc.? Quais seminários, congressos, encontros foram/serão promovidos ao longo deste ano debatendo o tema? Quais cursos de formação continuada sobre livro, leitura e literatura infantojuvenil são ofertados para a comunidade acadêmica do município? Quais foram as últimas compras de livros literários feitas para presentear professores e alunos da rede municipal? Há espaços específicos para o desenvolvimento da leitura e do livro nos equipamentos educacionais do município? (bibliotecas, salas de leitura, cantinho do livro etc…).


Nosso desejo é que todas as cidades brasileiras tenham festas literárias para celebrar, aí sim, um percurso exitoso de trabalho com o livro, a leitura e a literatura a partir de políticas públicas das muitas gestões que passarem pela municipalidade. Até porque, como mostram os resultados das últimas avaliações do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, sigla em inglês), o Brasil está muito deficitário no que se refere ao ensino e à prática da leitura.


Entretanto, o que temos, e a FLIBI é só mais um exemplo no meio de tantos outros no País, é o trato da literatura como evento; literatura é vento. E, como vento, refresca, mas passa.
_______________
Antonio Luceni é escritor, artista visual e arquiteto-urbanista. Doutorando em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista – Unesp/ Câmpus São Paulo e Mestre em Letras/Estudos Literários pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS/ Câmpus Três Lagoas. É professor efetivo, por meio de concurso público, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP. Membro da Academia Araçatubense de Letras, ocupando a cadeira nº 15, e da União Brasileira de Escritores – UBE.

Autores: Antonio Luceni

Gostou do artigo? Compartilhe este conteúdo!