OS NOMES E OS NOMES POÉTICOS

Cada um de nós recebeu um nome por algum motivo. O meu, por exemplo, foi “promessa da minha vó/ para não acontecer o pior”. Era pra ser “Francisco”, como o são os dos meus irmãos. Mas a vozinha teve que quebrar a promessa para atender a Santo Antônio. Há quem recebeu o nome para homenagear a mãe ou o pai, a avó ou avô, uma amiga ou amigo querido, uma conquista (daí “Vitória”), uma flor, por isso, Margarida, Hortência, Rosa e por aí vai…


Já no texto estético, em prosa e poesia, não é bem assim, conforme afirma François Rigolot, em seu clássico “Retórica do nome poético”: “O que importa determinar é o valor semiótico do nome próprio, isto é, a sua ‘capacidade de significação (de intervenção no interior do campo literário) no qual ele aparece’”. E prossegue: “Em regra geral, a significação do Nome poético será entendida como um subterfúgio para apreender indiretamente a ideologia do texto”.


É necessário, portanto, que escritor e leitor estejam atentos, ao produzir ou fruir o texto estético, em prosa ou em verso, também aos aspectos dos nomes das personagens da narrativa. Todos os nomes poéticos/estéticos cumprem um papel fundamental para apresentação/compreensão da narrativa exposta.


Peguemos, a título de exemplo, três obras bastante conhecidas do público em geral, duas em prosa e uma em poesia, a saber: a) “Dom Casmurro” de Machado de Assis; b) “A relíquia” de Eça de Queirós; e c) “E agora, José?” de Carlos Drummond de Andrade.


Em “Dom Casmurro” o próprio título abarcará a questão do nome poético dando-lhe não somente ênfase, como tratamento distinto na forma de “dom”. A personagem central, Bento Santiago, ora é tratada como Bentinho ora como Dom Casmurro. Bentinho, o garoto alegre e desinibido, irá se transformando, aos poucos e com as agruras da vida, no adulto sisudo e mal-humorado, Dom Casmurro. O interessante é notar como esse movimento se dá (de Bentinho para Dom Casmurro) tanto na perspectiva da personagem-narradora quanto na visão das demais personagens.


Na obra “A relíquia” do luso-brasileiro Eça de Queirós, tomemos como exemplo as duas personagens principais: Teodoro Raposo, ou Raposão; e Tia Patrocínio; ou Titi. Também, em ambos os nomes, já estão oferecidas as suposições que irão, de forma maestral, costurar o texto e a relação que as personagens citadas mantém entre si. Raposo nos remete, obviamente, a ideia cristalizada nas peças folclóricas da raposa traiçoeira, não confiável, ladra; Patrocínio à ideia de mecenato. Em relação aos codinomes, Raposão é reservado aos íntimos do rapaz e à fama de mulherengo. Titi é a forma “carinhosa” com que o sobrinho trata a tia quando (e sempre) deseja arrancar algo dela. É muito interessante como Eça trabalha com os nomes dessas duas personagens ao longo de todo o romance: o contraste reiterado entre os dois seja no vernáculo adotado para cada um deles, seja no modo de vida e visão de mundo etc., com que elabora irônica e sarcasticamente os diálogos, entre outras questões que valem a leitura do livro.


Já no poema de Drummond, o poeta lança mão de um nome corriqueiro (José), como que se a buscar o universal e, a partir dele, provoca/sugere uma série de ações/reflexões que, repetindo o “José” e imiscuindo “você”, como se “José” e “você” (a si próprio e ao leitor) fossem uma coisa só fosse. E, num só tempo, “José” e “você” não fossem ninguém. Aliás, fossem um “José” qualquer; um “Zé”, um “Zé-mané”, um “Zé-ninguém”. Essas questões (do ser-ninguém, do banal, corriqueiro e universal) ficam claras, entre outras coisas, pelo uso do verso livre, da linguagem popular, das questões/reflexões abordadas no poema. Desse modo, não poderia ser um nome qualquer; “José” é perfeitamente adequado; e “você”, ambiguamente proposto, ora assumindo o lugar de “José” ora travestindo-se do “leitor”, alcança o universal sob vários aspectos.

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