O LUGAR CONSTRUÍDO DESTINADO COMO LOCUS DE ENSINO E APRENDIZAGEM

RESUMO: O presente artigo tem como intenção discutir, refletir e provocar ideias acerca das relações entre arquitetura e processos de ensino e aprendizagem, com foco em espaços construtivos/construídos destinados especificamente ao ensino e à aprendizagem de Arte em suas múltiplas linguagens. A partir de contribuições deixadas por arquitetos-professores, como Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Raquel Rolnik da FAU USP, entre outros, dentro da perspectiva teórica-crítica do espaço habitado. Para tanto, faremos um recorte dos espaços e infraestrutura (in)existentes nos câmpus do IFSP a partir de entrevistas e consultas virtuais em grupos de WhatsApp específicos e existentes dos professores de Arte do IFSP, bem como aos sítios de cada um dos câmpus do IF antes. Em relação ao estudo de caso ora apresentado, será adotada a análise e observação in loco. Com isso, esperamos demonstrar a importância de se ter espaços específicos para o estudo, ensino e aprendizagem de Arte.

Palavras-chave: arquitetura e Arte; ensino e aprendizagem em Arte; espaços de e para Arte; ateliês e funções específicas

ABSTRAC: This article intends to discuss, reflect and provoke ideas about the relationship between architecture and teaching and learning processes, focusing on constructive/constructed spaces specifically intended for the teaching and learning of Art in its multiple languages. Based on contributions made by architect-professors, such as Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Raquel Rolnik from FAU USP, among others, within the theoretical-critical perspective of the inhabited space. In order to do so, we will outline the (in)existing spaces and infrastructure on the IFSP campuses from interviews and virtual consultations in specific and existing WhatsApp groups of the IFSP Art teachers, as well as the sites of each of the IF campuses. before. In relation to the case study presented here, analysis and observation in loco will be adopted. With this, we hope to demonstrate the importance of having specific spaces for the study, teaching and learning of Art.

Keywords: architecture and Art; teaching and learning in Art; spaces for and for Art; specific workshops and functions

Introdução
Desde os primórdios da humanidade o ser humano busca meios de se relacionar de forma mais adequada em relação ao mundo em que vive. Essa “forma mais adequada” atravessa questões naturais como, por exemplo, compreender situações orgânicas do próprio corpo, fenômenos naturais como o porquê do dia ou da noite, ocorrências de chuvas, neve, frio e calor etc. até questões mais elaboradas, por vezes, oriundas dessa experiência com o meio como, por exemplo, confeccionar roupas e calçados para se proteger das intempéries climáticas, utensílios de caça e pesca para prover seu alimento, máquinas para plantar, colher e para se locomover, produção de medicamentos para amenizar ou dirimir dores, produtos e cosméticos para beleza, entre muitas outras parafernálias da vida moderna.


Entre as muitas coisas feitas por homens e mulheres ao longo da história humana, destacamos algo que é essencial para sua sobrevivência e, mais, para seu deleite e outras experiências de afeto, do emocional, do sensorial, entre outros: a casa. A importância desse tipo de construção é descrita no poema “Casas da gente”, de forma afetuosa e sensível.


Pessoas no mundo todo/ moram em algum lugar.// Há gente que mora em oca,/ há gente que mora em iglu,/ Há gente que mora em choupana,/ em casas de pau a pique,/ em sobrados, em palafitas…// Há casas por todos os cantos,/ em praias, cidades e campos./ Há casas das mais luxuosas,/ mas também há muitas favelas.// Há gente que sofre sem casa,/ vivendo debaixo de pontos;/ Há gente que vive nas ruas,/ da sorte estão distantes.// Mas todos queremos um lar,/ buscamos paz e aconchego/ com cheiros e cores de afeto,/ na vida, a gente quer sossego.// Tomara que todos no mundo,/ um dia, encontrem um lar;/ que tenham um quarto quentinho/ e possam nele descansar. (LUCENI, 2013, p. 27)

As cavernas e outras edificações naturais foram os primeiros lugares de morada dos seres humanos. Nelas estão registradas as primeiras comunicações que nossos ancestrais deixaram e a partir das quais sabemos como viviam, comiam, caçavam, se reproduziam, se relacionavam com o mundo místico, entre outras sutilezas da vida prática e espiritual, artística, cultural etc.: as pinturas rupestres.


Progressivamente e, como a história nos conta, fomos abandonando as cavernas naturais e passamos nós mesmos a construir nossas próprias “cavernas”. Construções das mais variadas que, também, atendem aos mais diferentes propósitos de nossa vida: residências, hospitais, igrejas, restaurantes e padarias, museus e galerias, funerárias e mausoléus, rodoviárias e aeroportos, escolas… Aqui, cabe a seguinte consideração.


(…) apesar da nossa capacidade para criar/modelar espaços e, sobretudo, embora a humanidade viva essencialmente em ambientes edificados (a maior parte da população mundial habita em cidades), pouco tem sido construído no sentido de ampliar o conhecimento da interface entre ambiente e comportamento humanos. (ELALI, 1997, p. 350)

Portanto, não apenas habitamos essas nossas “cavernas”, como também nos relacionamos com elas de modo afetivo e afetuoso, emocional, psicológico… Mesmo se nós pensarmos cada uma dessas construções individualmente, cada uma delas terá, o que em arquitetura chamamos, “setorizações” específicas, que atendem funções específicas, com mobiliários, ventilação, iluminação, sistema hidráulico, tipo de piso específicos, cumprindo cada qual suas funções. Num hospital, por exemplo, a função da recepção não é a mesma que a da sala de cirurgia, que não é a mesma que de uma UTI, que também é diferente de uma unidade neonatal.


Com a infraestrutura de uma escola não é diferente. Os setores de uma escola (salas administrativas, salas de aula, laboratórios, quadras poliesportivas, refeitório, ateliês de arte etc.) têm, cada qual por seu motivo, especificidades que devem ser observadas e respeitadas a fim de que possam exercer suas funções de forma plena e eficaz, sobretudo as que abarcam o processo de ensino e de aprendizagem.


Dessa forma, buscamos demonstrar ao longo deste artigo, ainda que de forma breve, a importância de se ter espaços específicos para o ensino e para a aprendizagem – ou melhor ainda, no dizer de Paulo Freire, da “ensinagem e da aprendizagem” (1996) no campo da Arte, especificamente num relato de experiência referente ao uso do Ateliê de Arte do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP, câmpus Birigui.

Aspectos afetivos, emocionais e psicológicos nas edificações


Quem nunca esteve num ambiente construído e que, sem a gente saber muito bem o porquê, nos sentimos oprimidos, desconfortáveis, angustiados ou coisa do gênero. Do mesmo modo, também já estivemos em alguns espaços em que nos sentimos bem acolhidos, agradáveis, com a alma leve… Pode ter sido num restaurante, numa igreja, na casa da vó ou da em nossa própria casa, num museu ou galeria, numa escola, parque, numa danceteria, num café ou padaria etc…


Mesmo que não nos demos conta, muitos desses sentimentos e sensações são causados pelo ambiente natural, e também pelo construído, a que somos submetidos, conforme afirma ELALI.


O ser humano está o tempo todo inserido num espaço onde desenvolve suas ações, seja ele um espaço destinado ao trabalho, ao lazer ou ao descanso. Considerando esta relação homem-espaço, o edifício construído deixa de ser encarado a partir das suas características física se passa a ser avaliado e discutido enquanto espaço sujeito à ocupação, leitura e reinterpretação. (ELALI,1997, p. 75).

Há diferentes pesquisas e experimentos sociais que demonstram como os ambientes, natural e construído, podem nos causar determinadas sensações e sentimentos e até como nos impelem a agir positiva ou negativamente a partir da forma como nos sentimentos nele. Por exemplo, uma sala de aula toda depredada, com paredes sujas e pichadas, vidros quebrados ou inexistentes, iluminação precária ou falha, piso deteriorado, mobiliários sucateado, ventiladores barulhentos etc. afeta de forma negativa todo o conjunto sensorial de quem ali está ou ingressa (visão, diante de uma paisagem tão precária e terrível; audição, com sons mecânicos de móveis desgastados e/ou barulhentos mesmo; tato, com ranhuras e/ou trincos; olfato e paladar, com a ausência de limpeza e/ou higiene adequadas etc.).


O contrário também vale. Ou seja, ambientes bem-cuidados, bem higienizados, com mobiliários e iluminação adequados, com sons e ruídos controlados são, sem dúvida alguma, corroboradores não só no sentido de acolher e fazer com que seus usuários se sintam bem, como também este queiram permanecer e interagir com o que ali está. Todos temos em nossa memória afetiva, lugares como os descritos antes que são parâmetros no que se refere a “lugar ruim” e “lugar ideal” para tudo o que desejamos em termos de viver e habitar. Aquilo que sonhamos em termos do “construir” e do “frequentar” do ponto de vista positivo estará sempre pautado por essas nossas boas experiências construtivas.


Nesse sentido, apresentamos logo em seguida, alguns exemplos de espaços construídos destinados especificamente para a produção, ensino e aprendizagem em artes. Dois deles, a partir do percurso pessoal e/ou individual no pensar e produzir arte na perspectiva profissional (Ateliês do Sesc Pompeia e do artista Aldemir Martins) e outros três na perspectiva escolar, partindo das experiências do autor deste artigo.


Por exemplo(s): espaços físicos destinados ao ensino e à aprendizagem em Arte

Optamos por trazer alguns exemplos de espaços destinados à produção, estudo, ensino e aprendizagem em Arte a fim de estabelecer parâmetros do que estamos afirmando antes, ou seja, que os espaços construídos por nós, seres humanos, nascem das necessidades cotidianas com as quais lidamos e que, por isso, cada um deles (dos espaços construídos) cumpre uma função específica (ou algumas funções específicas) em nossas vidas, nas relações que mantemos com o meio e com os pares, com as nossas possibilidades de aprendizagens, facilitando e favorecendo esses processos.

Exemplo 1: Oficinas de Criatividade do Sesc Pompeia/ Figura 1: Ateliê de Arte do Sesc Pompeia/ Fonte: Fotografia de Marco Antônio/Revista E on-line

As Oficinas de Criatividade do Serviço Social do Comércio – Sesc Pompeia, localizado na capital do estado paulista, fazem parte de um conjunto de ateliês para o desenvolvimento de diferentes técnicas como cerâmica, desenho, pintura, escultura, entre outras. Todos os ateliês são ricamente compostos de mobiliários e materiais específicos para o desenvolvimento dos cursos ministrados e utilizados única e exclusivamente para a técnica destinada a eles.


Além dos ateliês, há outros espaços dentro das dependências do Sesc destinados às práticas artísticas, como galerias de exposições, galpões, bibliotecas etc. Os espaços são muito utilizados pela população em geral, desde crianças e jovens a adultos e idosos. Os cursos são, em sua maioria, gratuitos e/ou com valores acessíveis à população, o que favorece a democratização, fruição, acesso, produção, reflexão etc. no campos das artes para um público variado.

Exemplo 2: Ateliê de Artista / Figura 2: Ateliê de Aldemir Martins / Fonte: Fotografia Bruno Givannetti/Ateliês Brasil

Aldemir Martins (1922 – 2006) foi um artista brasileiro, nascido no estado do Ceará e radicado na capital paulista, onde manteve seu ateliê de arte até o dia de sua morte, produzindo de forma bastante dinâmica e ininterrupta, especialmente pinturas.


Como podemos observar na imagem acima, o ateliê do artista era rico em materiais de diferentes tipos (tintas, lápis de cor, gizes de cera, pincéis, cinzéis, papéis variados, telas etc.), além de cavaletes, mesas, armários etc. necessários para suas práticas artísticas.


Sobre a prática artística do artista, afirmam Giovannetti e Kiyomura.


Aldemir é a pessoa mais bem-humorada que existe. Com ele não tem tempo ruim. (…) Aldemir gosta de pintar ouvindo Bach, Vivaldi, mas também Nat King Cole, Bilie Holiday, Miriam Makeba e, especialmente, os brasileiros Milton Nascimento, Helena Meirelles, Tom Jobim…”. (GIOVANNETTI & KIYOMURA, 2004, p. 122)

Como podemos observar, o ateliê também passa a ser um espaço outro, cujas possibilidades e diálogos com outras linguagens artísticas, nesse caso a música, não só está no campo do possível, mas também no do exequível. O ateliê, portanto, tem essa forte característica, ou seja, a possibilidade de ser um e ao mesmo tempo, múltiplo.


Múltiplo, justamente por essa capacidade de servir com um espaço de práticas artísticas pessoais e/ou coletivas; um espaço de produção de arte, seja sob o aspecto profissional e/ou educativo; um espaço plural, no sentido de poder agregar diferentes expressões e linguagens artísticas, dentro do possível, como galeria provisória para mostras artísticas, sala de estudo de música, teatro etc.; apresentações de saraus lítero-musicais, entre outras. E ainda, o próprio ateliê como sendo um locus arquitetônico para provocações estéticas, agregando a construção arquitetônica como parte de instalações artísticas, performances etc.

Exemplo 3: Sala de Arte do Colégio Nossa Senhora Aparecida

Colégio da elite financeira da cidade de Araçatuba, interior de São Paulo, o colégio particular, gerenciado por freiras, dispõe de excelente infraestrutura, contando com diferentes salas de aula, laboratórios de informática, quadras poliesportivas, anfiteatro, entre outros espaços educativos. Entretanto, quando ingressamos como arte-educador, em 1997, a sala de arte funcionava como depósito de materiais dispensados, como maquetes, cartazes entre outros materiais. Tendo em vista a importância de um espaço específico para o ensino e aprendizagem de arte, como estamos explicitando até agora, solicitamos limpeza e adequação do espaço (mesas, cadeiras, balcões e armários) a fim de ser utilizado na educação artística de crianças de 07 a 10 anos, antigas 1ª a 4ª séries.

O ano, como pode ser observado, era justamente o da implementação da LDB 9394/96 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, vigentes até os dias atuais. Desse modo, além de inaugurarmos uma nova sala de arte, fazíamos melhor, introduzíamos uma nova metodologia de Arte, baseada na “abordagem triangular”, defendida, entre outros, pela educadora Ana Mae Barbosa (2012).


A presença de um espaço específico para a aprendizagem, ensino e estudo das artes visuais, já num primeiro momento, foi observado no entusiasmo por parte das crianças/estudantes. Além de um ambiente atrativo (havia reproduções de quadros de artistas famosos e, mais tarde, produções dos próprios alunos de diferentes turmas e séries) e o favorecimento de práticas que eram limitadas na sala de aula comum, como pintura à tinta, escultura etc. o ganho ficou evidente de forma rápida com as muitas mostras desenvolvidas no ateliê, na diminuição de queixas em relação ao uso da sala de aula comum, sobretudo em relação à “sujeira” pós aulas de arte, entre outras questões.

Exemplo 4: Galpão das Artes do Unicolégio Objetivo Araçatuba

Um galpão abandonado em um dos prédios da escola e o desejo de um trabalho livre e libertador no ensino das artes. Esse foi o mote para se buscar junto à direção do Colégio Unicolégio Objetivo Araçatuba, o que foi aceito prontamente.


A partir de então, foi feita a limpeza e adequação do espaço, com instalação de tanque e pia, criação de balcões de alvenaria para acomodar materiais e secagem de peças, além de quadro verde para anotações, desenhos e encaminhamentos de projetos nas aulas de artes visuais.


Adolescentes do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio tiveram oportunidade, então, em deixar a criatividade se desenvolver a partir de linguagens artísticas como pintura, dança, teatro, música e outras, iniciadas com projetos até execução das mesmas.


Além dos horários de aula, o Galpão das artes era utilizado para ensaios de esquetes, de música, dança, estudos e leitura de textos dramáticos, poéticos e literários, entre outros, tanto para a disciplina de artes visuais, quanto para a de Língua Portuguesa, em trabalhos interdisciplinares.

Exemplo 5: Sala de Arte da E. E. José Cândido

Assim que ingressamos, como professor efetivo de Arte, na Escola Estadual José Cândido, na cidade de Araçatuba, em diálogo com a direção da referida unidade, solicitamos um espaço/sala específica para o trabalho com Arte. A partir da exposição das razões pelas quais gostaríamos de uma sala para o trabalho com as artes visuais, expostos anteriormente por aqui, a diretora da unidade escolar ficou sensibilizada, compreendeu e concordou com a proposta e, imediatamente, começamos a adequar uma sala, introduzindo um tanque, mesas e cadeiras coletivas, além de armários e compra de materiais para uso dos estudantes; adolescentes do 6º ao 9º ano e do Ensino Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos – EJA.


Tivemos a oportunidade de, ao longo dos quatro anos de atuação, desenvolver uma série de atividades em Arte, além das regulares na ministração de aula, destaque para a Mostra “Jorge, amado sempre”, em comemoração ao centenário de nascimento do escritor baiano, ambientada no ateliê, com pesquisas e produções plásticas dos alunos envolvidos.


Espaços (in)existentes para o ensino e a aprendizagem de Arte no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP e a experiência com o Ateliê de Arte do mesmo Instituto, no câmpus Birigui

Em 2020, participamos eu (IFSP, Câmpus Birigui) e a professora Juana Nunes Pereira (IFTM, Câmpus Paracatu), de uma live mediada pelo servidor Wilson Matos (IFSP, Câmpus São Paulo), promovida pelo Coletivo “IFSP Democrático”, sob o tema “Arte e Cultura na formação integral”. Na ocasião, a fim de trazer dados e informações relativos à nossa prática no IFSP, foi feita uma sondagem junto aos docentes de Arte e diretores adjuntos educacionais do Instituto Federal de São Paulo – IFSP no que se refere aos espaços (in)existentes destinados ao ensino e aprendizagem de Arte e suas múltiplas linguagens nos 37 câmpus que compõem o já citado IFSP.


A ideia foi, justamente, estabelecer uma espécie de “raio X” da realidade no campo da Arte no estado de São Paulo, no âmbito do IFSP, no que se refere aos espaços da infraestrutura dos câmpus, destinados ou inexistentes para o estudo, ensino e aprendizagem nas diferentes linguagens e expressões artísticas.


Levando em consideração os aspectos positivos e negativos destacados aqui, contribuir na reflexão a ação de gestores, educadores e demais profissionais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem de nossos estudantes, bem como na melhoria das condições de trabalhos dos/as profissionais das artes que atuam no maior Instituto Federal do Brasil. É possível, também, pensar que tal estudo, ainda que incipiente, possa servir como elemento desencadeador de discussões e reflexões mais aprofundadas acerca do tema e das realidades aqui expostas.


A pergunta feita aos/às colegas da área foi no sentido de buscar identificar os espaços físicos específicos destinados integral ou parcialmente ao ensino de Arte em seus câmpus de atuação. O resultado está descrito na tabela abaixo:

Figura 3: Sondagem de espaços destinados à Arte no IFSP/ Fonte: Tabela elaborada pelo autor

Como podemos observar nos dados levantados, a maior parte dos câmpus não destina sala, galpão ou qualquer outro ambiente específico para o ensino e aprendizagem de Arte (22); uma pequena parte dos câmpus possui algum espaço destinado ao ensino e à aprendizagem de Arte (9); uma parcela menor ainda está construindo sala ou outro espaço específico para a referida disciplina (04); não obtivemos resposta de um dos câmpus e, na ocasião da sondagem, um dos câmpus ainda não estava em funcionamento (São José do Rio Preto); atualmente, o referido câmpus funciona somente com a colaboração de servidores de câmpus diversos na aplicação de cursos de Formação Inicial e Continuada – FIC. Apesar de já ter um dos eixos de atuação contemplado com curso de Artes Visuais, de acordo com a reitoria do IFSP, não há previsão para implantação dos cursos, estando à espera de códigos de vagas para, então, dar início ao processo de remoção e contratação de docentes.


No que se refere ao câmpus Birigui, objeto específico de nossa reflexão neste artigo, preciso falar em primeira pessoa, haja vista ser um depoimento profissional ligado diretamente à minha atuação. Meu ingresso no IFSP deu-se em 17 de dezembro de 2015 e, desde lá, busquei junto à gestão do câmpus (diretores Geral, Educacional e Administrativo), assim como o fiz em outras unidades por onde atua, algumas delas mencionadas antes, busquei demonstrar a importância de se ter um espaço específico para o ensino e aprendizagem da Arte. Valendo-me da formação que tenho em Arquitetura e Urbanismo, bem como a formação pedagógica nas Artes Visuais, pontuei alguns aspectos em relação às especificidades de um ambiente adequado e propício para o estudo, ensino e aprendizagem de Arte, no caso Artes Visuais, disciplina do meu concurso, a saber:


• Existência de pia e/ou tanque para limpeza de pincéis, mesas, diluição de tintas etc;
• Espaço para execução de peças que exigem processos mais longos de feitura e secagem, exigindo a permanência destas em sala por longos períodos, visto que as aulas de Arte acontecem uma vez por semana;
• Otimização do espaço em relação ao tempo, visto que, no caso de sala/ateliê de Arte os estudantes é que se movimentam para ingressar e sair dele. Numa sala de aula “comum”, há toda uma preocupação do docente em relação a ingressar e sair do espaço e a presença de outro docente;
• Não preocupação em deixar a sala “suja” para um outro colega. Isso, por vezes, favorece desentendimento e queixa contra o docente de Arte visto que alguns encaram, por exemplo, papéis pelo chão, manchas de tinta sobre a mesa etc. como algo negativo, desleixado, ou coisa do gênero. Claro que isso tudo será organizado e limpo em momento oportuno, a rigor, no final do período de aula, mas não deveria se constituir com uma preocupação a mais para o docente de Arte;
• Diminuição de queixas de servidores terceirizados, chefes imediatos e gestores, no que se refere a pias e sanitários sujos com tintas, argilas e outros materiais usados nas aulas de artes, resultado de grande incompreensão acerca das dinâmicas da disciplina e da ausência de lugares específicos para limpeza de materiais;
• Favorecimento, dado ao tempo de execução e secagem, do uso de determinados materiais, entre outros, o contato com técnicas e materiais que, não fosse um espaço específico para o estudo, ensino e aprendizagem em Arte, seria inviável;
• Possibilidade do espaço físico no estudo, ensino e aprendizagem em arte, como a execução de instalações artísticas, mostras, saraus etc., por exemplo.
• Entre outros aspectos possíveis somente a partir dos espaços próprios para as práticas artísticas, assim como está consolidado entre todos a exigência de laboratórios para as aulas de química, física, matemática e quaisquer outras disciplinas e /ou áreas do conhecimento.

Exemplo 3: Uso do espaço do Ateliê de Arte, IFSP, câmpus Birigui./ Fonte: Fotografia do acervo pessoal do autor

Entretanto, mesmo frente às demandas elencadas frente às necessidades de um espaço próprio para o estudo, ensino a aprendizagem em Arte, somente seis anos depois de nosso ingresso, e depois de muita insistência e luta, conseguimos uma sala, denominada Ateliê de Arte, para a disciplina.


O referido Ateliê é bem simples, com uma pia e um tanque, vultosa bancada em granito e mesas de desenho técnico, projetor, telão e lousa. Não possui ar-condicionado, o que é um problema, sobretudo para as turmas da tarde, numa região como a que o câmpus está localizado, no Noroeste Paulista, com temperaturas, na maior parte do ano, que ultrapassam os quarenta graus, portanto, um calor intenso, que atrapalha no processo de ensino-aprendizagem, por questões óbvias.


Apesar de ter ouvido de uma colega que o espaço é “ocioso”, é bem utilizado no ensino de Arte, com aulas, cursos livres, mostras, ensaios, além de agregar outras disciplinas do curso de Matemática, Física, cursos FICs e até fases de competições esportivas, de Educação Física. Isso, conforme buscamos apresentar até agora, se constitui um dos problemas em relação ao Ateliê de Arte.


Consideramos como “problema” o fato de a presença dessas outras disciplinas interromperem partes de alguns processos necessários, e já descritos antes, para a plena atuação da disciplina de Arte como, por exemplo, a permanências de peças e/ou materiais sobre as mesas para secagem, modelagem etc.; a limitação do espaço físico para a execução de mostras e exposições artísticas, ainda que de curto prazo; uso do espaço construído como parte ou componente principal de instalações artísticas e/ou performáticas, ou, ainda, na possibilidade de danificação de peças e/ou trabalhos artísticos dos/as estudantes ou de convidados que venham a expor no espaço.

Considerações (quase) finais


A relação do ser humano com espaços naturais e/construídos é algo tão antiga quanto a sua própria história. Do ponto de vista dos espaços construídos, cada construção foi sendo realizada a partir de demandas específicas, tanto a assegurar questões individuais e/ou familiares quanto para atender necessidades coletivas.


Vimos, também, que cada construção cumpre um tipo de função social e, mesmo pensando cada construção individualmente, há espaços específicos nela. Numa casa, por exemplo, a cozinha não cumpre a mesma função que o quarto ou o banheiro, e vice-e-versa.


Pensando especificamente em construções voltadas para a educação, é preciso compreender que estas também têm funções específicas. Um laboratório de química ou física exige uma série de mobiliários, equipamentos, materiais etc. que não são os mesmos que um ginásio poliesportivo.


É preciso ter a compreensão de que os espaços destinados ao estudo, ensino e aprendizado e práticas de Arte, em suas múltiplas linguagens, também exigem infraestrutura, mobiliários, materiais etc. específicos a fim de conferir êxito naquilo que se pretende estudar. É necessário, ainda, que os profissionais da Arte tenham autonomia e que sejam atendidos em suas necessidades, compreendendo que Arte, em suas múltiplas linguagens, é algo importante e necessário para formação humana, para ampliação de conhecimentos, para tornar-nos mais sensíveis, portanto, mais humanos frentes às muitas demandas da vida e que essa formação exige, em si, condições específicas de trabalho, seja do ponto de vista de um profissional, conteúdos e materiais específico, como também de uma infraestrutura e espaço específicos também.


O que buscamos oferecer aqui, em exíguo espaço de tempo, é apenas um referencial, uma espécie de provocação investigativa acerca de um tema que ainda é pouco explorado e pior, por vezes, ignorado por muito gestores e profissionais da educação, não admitindo ou contemplando o tema em suas pautas e programas de gestão.


Precisamos compreender, nós professores de Arte, gestores de nossos câmpus, reitores e o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – Conif, enfim, todos que habitam a educação pública federal, a partir dos Projetos Políticos Pedagógicos dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia espalhados pelo Brasil, consignando a lei de criação que preconiza a emancipação de nossos adolescentes, jovens e adultos no nível intelectual (racional e sensível) que Arte não é “perfumaria” nem “luxo”, mas algo necessário para nossa formação integral, cumprindo a máxima descrita pelo poeta Ferreira Gullar: “A arte existe porque a vida não basta”. E essa compreensão deve contemplar, para além de palavras e documentos, a ação, a execução de projetos que contribuam para com essa meta, e isso também deve contemplar os espaços físicos destinados aos processos de estudo, ensino, aprendizagem e pesquisa em Arte. Ou alguém discorda de que são necessárias quadras e outros espaços para as práticas esportivas nos Institutos Federais? Ou alguém compreende ser desimportante a presença de laboratórios de química e física em nossos câmpus? Há discordância da importância de laboratórios de informática nos IFs? Acreditamos que não. Então por que seria diferente não concordar que espaços próprios para o estudo, ensino e aprendizagem no campo da Arte em suas múltiplas linguagens são necessários e urgentes? Se acreditamos nisso de verdade, lutemos todos para que em todos os câmpus dos IFs do Brasil haja espaços para que a Arte seja respeitada, valorizada e aplicada na formação integral de todos e todas, de nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos de todo Brasil.


Referências Bibliográficas:

BARBOSA, Ana Mae; CUNHA, Fernanda Pereira da. Abordagem triangular no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo: Cortez, 2012.
ELALI, Gleice A. Psicologia e arquitetura: em busca do lócus interdisciplinar.Disponívelem:https://www.scielo.br/j/epsic/a/gJBMZCtYWS6spmQfbWgqsMx/?format=pdf&lang=pt>Acesso em 24 de junho de 2022.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GIOVANNETTI, Bruno; KIYOMURA, Leila. Ateliês Brasil, artistas contemporâneos na cidade de São Paulo. São Paulo: Empresa das Artes, 2004.
LUCENI, Antonio. Poesia, pipoca e pião. Araçatuba, SP: Somos, 2013.
1997. Disponívelem . Acesso em 24 de junho de 2022.
Revista E on line. Disponível em: https://portal.sescsp.org.br/online/artigo/6816_OFICINAS+DE+CRIATIVIDADE+UMA+TRADICAO+ALEM+DA+ARQUITETURA>. Acesso em 24 de junho de 2022.

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