LITERATURA CONFESSIONAL E A ALMA DO ARTISTA

Aprecio muito o conceito deleuze-guattariana no que se refere à “literatura menor”, cujo cerne se dá na medida em que deixa de ser uma produção desimportante e passa a ter um caráter de uso experimental da língua e da linguagem, a partir de um nicho de produtores e produtoras específicos, com fins também específicos e para um público particular, ainda que não se esgote neste.


Faço essa observação para anunciar minha preferência por textos de caráter confessional, como diários, cartas, biografias, autobiografias. Recentemente, estive relendo os diários de Andy Warhol e as cartas trocadas entre Van Gogh e seu irmão Theo. Ambos, um primor.


Esses tipos de textos, estudados no universo acadêmico no chamado “gênero confessional”, para mim, tem um caráter muito especial. É como se neles os seus autores se revelassem por inteiro, sem medo da exposição, sem as formalidades sociais que, muitas vezes, nos impedem de perceber verdadeiramente a alma de autores/artistas e obras. Uma espécie de despojamento, dessacralização do “eu” que ali se coloca muito bem-vinda para quem quer, de fato, conhecer o autor/artista e obras no texto inscritos.


Quando você lê os diários de Andy Warhol, por exemplo, fica mais claro o porquê do caminho trilhado por ele e sua produção (e, talvez, a palavra mais adequada para os trabalhos dele seja esta mesmo), a escolha do nome de seu estúdio (The factory, do inglês “A fábrica”), entre outras razões do ser, viver e produzir do artista norte-americano, principal representante da Pop Art no mundo. Nascido, envolvido e mergulhado no pensamento capitalista daquele país, as suas relações diárias (incluindo as ações de caridade dominicais), são altamente coerentes com a própria produção a que se lançou, traduzindo um modo de vida muito peculiar para os anos 60, 70 e 80 do século passado.


Num outro exemplo distinto, igualmente intenso, temos Vincent Van Gogh e todo seu despojamento material, tanto do ponto de vista da infraestrutura quanto do próprio cuidado físico, o que acabou afetando o seu emocional e psicológico e, claro, a sua própria produção. Entre uma roupa nova e comprar tintas e pinceis, optava pelos últimos; entre o pintar e o comer, preferia ficar com fome; entre os palacetes e quartos de pensão, escolheu estes último, sendo que foi num deles onde deu seu último suspiro.


Van Gogh era mesmo um apaixonado. Um apaixonado pela vida em suas mais diferentes formas. Pela natureza, cujas formas, texturas e cores estão vastamente registradas em suas telas, desde minúsculas flores, até vasos cheios delas, caminhos e campos inteiros até a paixão pelas pessoas simples do campo, trabalhadores e trabalhadoras dos mais diversos. Há de tudo quanto é vida na vasta produção de Van Gogh.


Essa paixão, talvez mais, esse amor só é equiparado ao que nutriu por seu irmão Theodorus, carinhosamente chamado de Theo, cúmplice, colaborador, e responsável pelo legado, juntamente com sua esposa Johanna, deixado por Van Gogh.


Pelas razões apresentadas antes, entre outras mais, é que as produções da chamada “literatura confessional” me atraem tanto. É por meio da humanidade presente nelas, ainda que ficcionalizada, que me encontro com as angústias, as alegrias, os percalços e sucessos de cada um dos autores e autoras, dos artistas revelados.

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