HOMOAFETIVIDADE E LITERATURA INFANTOJUVENIL

Quando eu tinha 4 ou 5 anos escutei um imperativo de meu pai que mudou toda minha vida: “Para de rebolar, menino”. Eu descrevo essa história numa crônica presente em um de meus livros (Mosca Feliz; Editora Somos, 2013). Esse imperativo me fez perceber, entre outras coisas, que eu era “Um menino diferente”, um homônimo que virou poema, também publicado em livro meu (Poesia, pipoca e pião; Editora Somos, 2013).


O fato é que o gay, assim como o hétero, nasce gay (como o hétero nasce hétero), e os adultos percebem isso logo cedo. Mas, é claro, que, para a maior parte dos adultos, e da sociedade em geral, não há espaço para relações homoafetivas e, pensar isso na infância, é mais difícil ainda. Por isso, acabam fazendo vistas grossas ou, pior, agredindo a criança e/ou o adolescente, causando maior dor ainda.


O campo das artes (literatura, artes visuais, música, dança, teatro, cinema etc.) é (ou deveria ser) um espaço para além de quereres e preconceitos. Pelo contrário, é no campo das artes, e aqui dou ênfase ao da literatura, a que podemos ter acesso a uma voz outra, a um discurso outro, diverso do discurso comum, das narrativas cotidianas e, por vezes, padronizadas, cristalizadas, fazendo com que ampliemos nossos campos de saberes e sentires, aprofundando nossa condição humana, fazendo com que olhemos o mundo e tudo que nele há, incluindo o “diferente” de forma empática e acolhedora.


Se determinados temas são tabus mesmo para a vida adulta, quando o pensamos e o trabalhamos no âmbito da infância e da adolescência, aí adentramos em terrenos arenosos, minados… Portanto, já de antemão, parabenizo os autores e autoras, bem como as respetivas editoras que publicam sua obras, e que têm furado essa “bolha” dos tabus, abordando, corajosamente, temas necessários como o das relações homoafetivas a partir da infância e da adolescência por meio de textos estéticos (poéticos e em prosa).


Cito alguns deles abaixo, com base nas resenhas de suas editoras:


1) “O namorado do papai ronca” de Plinio Camillo (Prólogo): Numa linguagem contemporânea, com textos usados em mídias sociais, um adolescente narra seu cotidianos e de seus dois pais num período de férias.


2) “Meus dois pais” de Walcyr Carrasco (Ática): Naldo, para não mudar de escola no meio do ano, passa a morar com o pai e o namorado dele, já que a mãe do menino tem que mudar de cidade por conta do emprego. Ele começa a perceber que há outras formas de família.


3) “Olívia tem dois papais” de Márcia Leite (Companhia das Letrinhas): Olívia é uma menina linda e esperta e tem a felicidade de ter dois papais amorosos e que fazem de tudo por ela, mesmo que isso inclua umas broncas de vez em quando.


4) “Amor entre meninas” de Shirley Souza (Panda Books): A adolescência é uma idade muito complexa e cheia de dúvidas. A autora toca no assunto da homoafetividade com uma abordagem leve e dinâmica, tirando dúvidas e desmistificando certos tabus que levam ao preconceito.


5) “Dois garotos se beijando” de David Levithan (Galera Record): Adolescentes com muitas dúvidas, relacionamentos dos mais diversos. Cada um dos meninos tem uma situação diferente. Alguns contam com o apoio da família, outros não. Alguns sofrem com o bullying na escola, outros, com o coração partido. Mas bem no centro de todas essas histórias paralelas está o amor.


6) “Will & Will: um nome, um destino” de David Levithan e John Green (Galera Record): Primeiro livro com personagens gays a figurar na lista do New York Times Em uma noite fria, numa improvável esquina de Chicago, Will Grayson encontra… Will Grayson. Os dois adolescentes dividem o mesmo nome e a dor do coração partido. Um Will é amigo do mais expansivo gay de sua escola. O outro precisa explicar à própria mãe sua orientação sexual. Amor adolescente, intriga, raiva, sofrimento e amizade. Tudo isso temperado com doses maciças de comédia.


7) “A história de Júlia e sua sombra de menino” de Christian Bruel (Scipione): Os pais de Júlia a criticam muito, sempre dizendo que ela é meio moleque, no jeito, nas roupas, etc. Numa manhã, ela percebe que sua sombra adquire o formato de um garoto, repetindo todos os seus gestos. Júlia se sente triste e acaba questionando a própria identidade.


8) “Tudo por você” de Georgina Martins (Garamond): Rafael é um garoto tranquilo, simpático, muito boa gente. No entanto, sofre perseguições – e até agressão física – pelo fato de ser gay. Trata-se de bullying. Este livro procura apresentar as aventuras e desventuras de Rafael e seu amigo Pedro quando ambos se veem obrigados a lidar com esse problema.


Estes são somente alguns exemplos de autores, autoras e obras nacionais e estrangeiros que ousaram/ousam romper tabus, quebrar preconceitos, ampliar nossas visões de mundo acerca de um público tão esquecido e sem voz no mundo todo, ou seja, o público infantojuvenil, cuja agressão em relação às suas sexualidades é apenas uma das muitas que sofrem.

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