ESCRITA E ISOLAMENTO

Escrever é um ato solitário. Ler também o é; ler o texto-letra é algo muito particular, e isso exige do indivíduo atenção. Há diversas pesquisas científicas que mostram o quanto é exigido de nosso cérebro quando lemos e escrevemos. Há indicações para se ler, por exemplo, como um tipo de prevenção contra a doenças, como a de Alzheimer.


Nesse isolamento forçado por que passamos, muita gente começou a se dedicar a muitas outras coisas com as quais, a rigor, não se relacionava ou se relacionava pouco. Entre essas atividades, escrever. Vi com certo entusiasmo, por meio das mídias digitais, vários lançamentos de livro cujo recorte se deu início a partir do isolamento social causado pela pandemia da Covid 19.


São relatos de olhares das janelas de apartamentos de grandes metrópoles; outros relacionados à convivência mais contínua com filhos, pais, avós, enteados; há os que se motivaram a partir de coisas simples do dia a dia, cuja atenção foi dada justamente por as pessoas terem um tempo maior para viverem a própria vida, conhecerem o próprio lar; mas há também relatos tristes, cujo recorte se deu por meio da perda de um ente querido, de um amigo ou amiga, de alguém importante levados por essa doença maldita que se instalou na humanidade.


Eu também comecei um projeto de livro baseado nas observações de meus jardins, algo que costumeiramente gosto de fazer: contemplar plantas, bichos, ouvir os sons de pássaros e outros bichos da natureza. Com o isolamento isso ficou mais forte. “Do meu jardim” nasceram alguns poemas, esboços de parágrafos em prosa-poética, alguns croquis em aquarela de insetos, plantas e bichos… Talvez, em algum momento, essas ilações, esses croquis saiam das gavetas e do computador e ganhem outros espaços no diálogo com outras pessoas, na divisão da visão de mundo intrínseca a eles.


Não gostaria, com isso, de romantizar um momento tão cruel, cujas perdas são imensas, tanto do ponto de vista das pessoas que se foram, muitas delas próximas a nós, quanto do ponto de vista das limitações que nos foram impostas, seja na questão da mobilidade, seja no que se refere ao contato físico com outras pessoas, seja do ponto de vista econômico, agravado pela crise financeira mundial etc…


O que pretendo com essa reflexão é dizer que o escritor e o leitor são, pela própria natureza da ação, seres apartados; são amantes, por assim dizer, da solidão, do isolamento. E se tem algo que precisamos aprender também é estar só. O exercício de aguentar a nós mesmos é algo que precisa ser cultivado.


Mas um “estar só” qualitativo, não obrigatório. Talvez seja esse o diferencial entre o isolamento, o ensimesmamento do escritor e do leitor e o que nos está sendo imposto pela pandemia. Há um certo constrangimento em estar só por obrigação. E há um certo gozo, por assim dizer, em “querer estar só”, pelo desejo de refletir, produzir, meditar, usufruir dos silêncios que nos motivam, ouvir as vozes que nos fazem produzir etc.


Não sei se sairemos melhores ou piores desse isolamento; o tempo é que irá dizer. Também não sei se há uma regra geral sair-se melhor ou pior pelo fato de ter que encarar-se sozinho. Isso, certamente, varia de pessoa para pessoa. Há quem suporte suas próprias idiossincrasias numa boa. Há os não se suportam um minuto a sós que seja. Mas uma coisa é certa: viemos sozinhos para este mundo e o deixaremos do mesmo modo. Isso posto, é preciso que encaremos momentos de solidão e isolamento para, também, crescermos sob este aspecto: o de estar só.


O ato de escrever, assim como o de ler, talvez, seja um bom exercício para estar só. Mesmo que seja uma escrita despretensiosa, algo mais intimista como um diário, uma autobiografia, cartas para si mesmo etc…
“Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém; provavelmente a minha”.

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