ESCREVO PORQUE O INSTANTE EXISTE

É muito comum, quando em algum encontro ou palestra, alguém da plateia perguntar: “Por que você escreve?”. Aí fico sempre pensando o que responder. Ao mesmo tempo em que todos escrevemos ao longo de um dia de forma automática, poucos refletimos sobre essa ação.


Escrevo porque o instante existe e a minha alma está incompleta! Parafraseando Cecília Meireles, gostaria de refletir um pouco sobre as muitas questões que nos motivam a fazer o que fazemos; entre elas, escrever.


Escrevemos porque precisamos dar um pulinho ao supermercado e aí deixamos um bilhete sobre a mesa para a mãe, o filho, o marido… Escrevemos porque não queremos brigas após nossa morte e aí deixamos tudo já separadinho em forma de testamento. Escrevemos porque não temos coragem de encarar alguém e aí mandamos um recado num guardanapo qualquer para a pessoa desejada.

Escrevemos porque a professora manda, porque o trabalho exige, porque o chefe determina e por aí vai.
Carolina Maria de Jesus, em sua principal obra, “Quarto de despejo – diário de uma favelada”, relata que “quando eu não tinha nada o que comer, em vez de xingar escrevia”. Literalmente, escrevia para sobreviver; e para sobreviver das mais diversas formas.


João Cabral de Melo Neto, declara em seu conhecido poema “Catar feijão” que “catar feijão se limita com escrever”, ou seja, escrever deveria ser algo cotidiano, como as demais coisas que fazemos como beber água, pagar contas, transar, catar feijão…


Clarice Lispector, visceral que era, já mais incisiva, sentencia: “Eu acho que, quando não escrevo, estou morta”; ou seja, escrever e viver para a autora faziam parte de um mesmo contexto, se equiparavam. Algo semelhante observamos na vida de outras artistas como Portinari e Van Gogh, por exemplo. Arte e vida se misturavam; quando não, a primeira é que se faz predominar.


Para Fernando Pessoa, “Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida”. A vida real é insuportável, por isso mesmoa a arte existe, já que a vida não basta, como também afirmou outro poeta.


Comecei a escrever logo cedo, desde quando aprendi as primeiras letras, como forma de me entender. A escrita para mim sempre foi terapia, uma forma de eu me relacionar com meus anjos e demônios; uma das formas pelas quais busco para me conectar com os mundos, visível e invisível, até hoje.


Minha escrita me salvou tal como a de Anne Frank a salvou. Eu, também no armário, busquei arejar meus pensamentos, encontrar outras respostas para uma vida tão limitada em respostas para minha realidade (é bem verdade que o contexto no qual estava inserido não me permitia encontrá-las).


E foi assim, de linha em linha, parágrafo em parágrafo que eu fui suportando a caminhada da forma mais sóbria possível, da forma que me eu podia, deixando o lápis correr sobre o papel voluntariamente. Essa “terapia” encaminhou-se para algo mais focado e, hoje, tenho alguns livros publicados, alguns deles premiados, inclusive nacionalmente.


Como Carolina, escrevo para sobreviver; ao modo de Cabral, tento fazer do cotidiano minha motivação; tal qual Clarice não me imagino sem escrever um sequer; assim como Fernando Pessoa, escrevo para esquecer; mas não somente.

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