UM BOM MOMENTO PARA LER UM LIVRO

Em tempos de isolamento, arte. Sim, é com o que a maioria está envolvida. Pululam as indicações de filmes, músicas, museus virtuais, espetáculos de dança e tantas outras atrações. Algumas plataformas pagas estão liberando, ao longo da quarentena, suas programações para que todos tenham opções para viver esse momento de introspecção forçada.


Além de limpar armários e gavetas, consertar aquele interruptor que há anos não funciona, colocar de volta o botão naquela camisa preferida, lustrar os sapatos, dar um trato no carro etc. é tempo também de colocar leituras em dia; afinal, já faz um tempão que elas esperam por nós, não é mesmo? Aquele romance que ainda está no plástico; aquele livro que ficou pela metade porque era necessário focar em outra atividade; aqueles escritos deixados de lado numa escrivaninha ou pasta do computador. É hora de ressuscitar ideias e projetos.


Estava retomando algumas leituras, pensando no contexto em que estamos, de clausura forçada, e dois livros me vieram à mente: Ensaio sobre a cegueira, de Saramago e Diário de Anne Frank.
Ambos dialogam com os dias atuais.


O de Saramago porque trata de uma espécie de epidemia que vai cegando a todos, indistintamente: homens, mulheres e crianças, pobres, ricos, estudados ou não são impelidos à rotina outra. Mas não é uma cegueira qualquer; é uma cegueira branca. Um tipo de cegueira nunca antes diagnosticada. Ninguém sabe de onde veio e muito menos o que fazer para curá-la. A opção das autoridades é confinar a todos por ela acometidos, deixando as pessoas jogadas à própria sorte. Afinal, a vida não pode parar.


O de Anne Frank, mais conhecido do grande público, um diário feito pela protagonista homônima ao livro, feito como uma espécie de exercício para não enlouquecer no confinamento forçado a que foi submetida, juntamente com sua família e outros judeus, durante a Segunda Guerra mundial.


Quando dizemos que a arte nos salva, que a literatura e a poesia são armas fortes para nos libertar, ou coisa do gênero, mesmo havendo um caráter metafórico, há também nisso algo de pragmático que quer dizer literalmente o que diz, ou seja, a leitura e a escrita são também uma forma de não enlouquecer, de nos dar provimento em tempos de crise, em circunstâncias extremas pelas quais passamos e que somos, por vezes, constrangidos a viver de modo diverso do que gostaríamos.


Aproveitemos, portanto, esse momento necessário de distanciamento social e foquemos em ações com as quais não estávamos muito acostumados a vivenciar. Ler um livro, reler um outro, talvez; arriscar na escrita de um texto, de um poema…; usar das novas tecnologias à disposição (é muito comum a presença de smartphones nos lares nos dias de hoje) e produzir microfilmes, promover saraus virtuais, bate-papo a partir de leituras de livros, lives abordando um ou outro estilo literário, poético…


Encerro nossa reflexão de hoje com os versos de Viviane Mosé: Procuro uma palavra que me salve/ Pode ser uma palavra verbo/ Uma palavra vespa, uma palavra casta./ Pode ser uma palavra dura. Sem carinho. / Ou palavra muda,/ molhada de suor no esforço da terra não lavrada./ Não ligo se ela vem suja, mal lavada./ Procuro uma coisa qualquer que saia soada do nada./ Eu imploro pelos verbos que tanto humilhei/ e reconsidero minha posição em relação aos adjetivos./ Penso em quanta fadiga me dava/ o excesso de frases desalinhadas em meu ouvido./ Hoje imploro uma fala escrita,/ não pode ser cantada./ Preciso de uma palavra letra/ grifada grafia no papel./ Uma palavra como um porto/ um mar um prado/ um campo minado um contorno/ carrossel cavalo pente quebrado véu/ mariscos muralhas manivelas navalhas./ Eu preciso do escarcéu soletrado/ Preciso daquilo que havia negado/ E mesmo tendo medo de algumas palavras/ preciso da palavra medo como preciso da palavra morte/ que é uma palavra triste./ Toda palavra deve ser anunciada e ouvida./ Nunca mais o desprezo por coisas mal ditas./ Toda palavra é bem dita e bem vinda.

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