I – Roçais o nascimento
Das roças e capinzais,
Em meio aos matagais
a fumaça piruetando
vai cruzando
seu apito que apita,
Apita que apita
o apito soa na longa estrada
corre, corre bem o trem
assentado em seus trilhos
aos céus, a estrada é longa
Araçatuba vai formando
Fumaceando e apitando
aos longos e breves
dá-nos as costas
Fumaceia fumaceia
o progresso que nos traz
Aqui o sertão não virou mar
O Tietê está a nos banhar
Suas águas límpidas a jorrar
sem fundador pouco a pouco
Araçatuba esteve a se formar
a noroeste do Brasil
Deitam e cortam-se os capinzais
Lá nos idos do século XX
nasceu, nasceu e cresceu
vigorosa e elegante
no noroeste do Brasil
no entorno das linhas paralelas
foi lá na antiga ferrovia
Lá nos idos de sessenta
Dar voltas ao sul do país
nem pensar
Tião Maia visionário precursor
o maior frigorífico do país
veio a instalar
Deu início ao ciclo econômico
Entre terras, o concreto
Entres flores, o progresso
Entre as matas, o machado
e seus índios caindo ao lado
Não poderia deixar de falar
da praça central
até hoje no mesmo lugar
Lá pelos idos de 50
deu o que falar na praça
a Capital do boi Gordo
ali naquele lugar
seu preço taxado para o país
histórias e mais histórias
que o povo conta
deu o que falar
Referência até hoje
por marcar aquele lugar
tão antigo quanto a ferrovia
o português, em seu armazém
secos e molhados.
O Tietê logo ali,
banha, banha nossa cidade
Aqui não vestimos a pilcha
nem temos chiripá, nem bombacha
Aqui se tem o cupim casqueirado
prato típico neste lugar
Aos poucos as matas, nossos sertões
foi virando uma cidade boa de se morar
Sobre o denso tapete marrom
deitou-se a negra resina
aos quatros cantos
assim se fez na urbanização
Dando novos ares
ao antigo sertão
Lá se foi meu antigo sertão
quem dele tem saudade
que levante a mão
II – Dos males na terra
Lá nas terras a noroeste do Brasil
há os que não amam ninguém
tem ladrões e loucos que se disfarçam bem
Ainda se vê restim de árvores
rural e zona urbana tem
e que zona…
coexistem-se,
o progresso da urbana
alguém explica onde é que tá
A cidade é uma Caatinga
Prudente, Bauru e Rio Preto
alargaram os passos
Cá nesta cidade as lágrimas correm
sanguessugas roubam sem dó
Esterilizem, esterilizem,
vermes e vírus estão a contaminar
na cidade dos horrores nem beleza há
A cidade se liga o sertanejo
não queremos, carregamos
as caatingas não param
é polícia federal enquadrando
o poderoso chefão nas Casas
Os lençóis em terras vermelhas
vestem em ternos pretos
o caipira descaipirou-se,
é a tecnologia informando.
Todos os dias bons e maus
brindam-se com a morte
encontram em seus leitos o pó.
Não há nada que saneie
o coração dos bárbaros
a não ser a morte.
Aos viventes na urbe
sobem a cabeça o orgulho
os de cá não são como os de lá
Somos melhores, arrotam no peito
perdem-se em seus desamores,
orgulhos e julgamentos
as Caatingas se espalham
sangram a pele do trabalhador
e nas Câmaras e Palácio folgam em risos
em suas vultosas regalias
A infecção dos poderosos alastram
Não há cura, a não ser a morte.
III – Sertão republicanizado
De ponta a ponta
duma extremidade à outra
ao sertão republicanizam
as cidades superpovoam-se
e pouco a pouco vão ligando
como se ligam as linhas
de norte a sul, tornam-se una.
Ideologias, sistemas e regimes…
os espaços geográficos do campo
ganham contornos de desenvolvimento
os espaços geográficos da gélida selva de pedra
geram desenvolvimentos, torram as mentes,
arruínam os corações, põem uns contra os outros
neste mundo onde todos somos irmãos
é a agricultura lá, é agricultura cá
se avança com pecuária, silvicultura, extrativismo,
não se pode esquecer da conservação ambiental
o turismo está cá e lá
gera que geram
tirem seus chapéus
juntos e misturados
um não vive sem o outro
são as comunidades urbe e rural
passando pelo processo de transformação
instigado pela industrialização
Ambas perdidas em suas densidades demográficas
Suas infraestruturas nem sempre a contento
O que seria da cidade
se não existissem os campos
Se numa têm indústrias, hospitais e comércios
noutra tem o pão, leite e carne.
São produtos e serviços
lá e cá, cá e lá
Cansados um e outro
os de cá vão pra lá e os de lá vem pra cá
são os fenômenos do êxodo
atraídos pelas ofertas de trabalho
os centros incham-se
uns querem a paz,
outros a novidade de vida
desordenam-se as populações,
favelizam-se,
violentam-se
Peixes grandes engolem os pequenos
contracenam-se as paisagens
natural e humanizada
Suas infraestruturas,
sítios, chácaras e fazendas,
casas e prédios
Corre corre aos centros urbanos
extra, extra, extra
ofertas de emprego
máquinas incessantes
intensos processos
urbanizam-se as áreas não urbanizadas
ao povoamento disperso
ganham-se aglomeramentos
sufocam-se, concentram-se
extrativismo dos couros arrancados
ao sabor de míseros tostões
Os de cá vão pra lá e os de lá vem pra cá
ambos se distraem cada um a seu modo
Ferem a terra, preparam-se os campos,
colhem e vendem
Ferem a alma, cansam e matam o corpo
lutam na manutenção física e mental
e se põe ao cinema, diversão, parque e televisão
Os de lá pescam, andam a cavalo,
banham se nos rios,
bailam e vão à rodeios
Nas convergências da vida
Ambos se distraem, interdependem,
conversam.
Tem bicho aqui, tem bicho acolá
Tem planta aqui muito mais que acolá
Há que sobreviva aqui, há quem sobreviva acolá
Se o Estado que a tudo governa
não vai bem é por causa dos aleijões
e sanguessugas politiqueiros.
Se cria, se sobrevive aqui e acolá
Se tem bicho do pé aqui também tem acolá
Tem atrofiado catinguento aqui e acolá
São imaginosos e tem muitas formas os enganadores
encantos mil possuem,
estilosos na arte de hipnotizar.
As serras não param nem aqui nem acolá
depressa põem-se de pé aos sinos tanto
os daqui como os de lá
Aos amores daqui
não sei se o fazem os de lá
Meu coração não se acalma
na loucura de ainda amar
e de nesta cidade morar.