MUITO AUTOR PRA POUCA MÚSICA

“Bará, bará, bará,/ Berê, berê, berê,/ Bará, bará, bará,/ Berê, berê, berê, berê ./ Bará, bará, bará,/ Berê, berê, berê,/ É o (…)* Fazendo bará, berê ./ Bará, bará, bará,/ Berê, berê, berê,/ Bará, bará, bará,/ Berê, berê, berê, berê .”


Não, não é a terceira lição da cartilha Caminho Suave. Se bem que poderia, sem dificuldade alguma, sê-lo. Também não é a transcrição fonética das primeiras palavras disparadas por um infante em uma tentativa de comunicar-se com seus pais, que o casal, enamorado pela situação, resolveu registrá-las para posteridade.


Trata-se, na verdade, de um excerto de música – dessas tipo “chiclete”, que gruda na mente da gente, e a gente fica repetindo o dia todo sem mesmo querer.


Sapeando os canais de televisão neste domingo, deparei-me com a polêmica envolvendo esta música. Quem é o autor ou autores dela? A disputa está na justiça, porque cada um dos envolvidos quer lograr dos lucros que o sucesso dela está trazendo.


Aí fiquei pensando na raiz do problema; no cerne da questão. Quem é o autor da música? Não. Os que provocaram o sucesso dela e, consequentemente, o surgimento da polêmica sobre o “pai da criança”.


Os que abrem os ouvidos e o coração para o “bara berê” é que são os culpados disso. Cada um dos que alimentam o cenário musical popular de tais peças musicais é que estimulam esse tipo de disputa e, o pior, a produção e continuidade desse tipo de prestação de serviço.


Não tenho preconceito de espécie alguma – ao menos procuro não ter –, mas esse não deveria ser o tipo de música a ocupar com tanta dimensão e espaço a grade de programação de canais abertos, tevê pública, diga-se de passagem. “Bara berês”, “Leque leques” e outros tipos de tartamudeados deveriam ser, a meu ver, diluídos entres canções de Chico e Milton Nascimento, entre acordes de Beethoven e Mozart, entre poesias de Bob Dylan e John Lennon…


Quem dera as disputas nos tribunais brasileiros, que versam sobre arte, tivessem em suas citações algo mais poético para ser lido. Fico imaginando os advogados fazendo a defesa de seus clientes nesse caso: “Meritíssimo, gostaria de ler um trecho da música em disputa para que o senhor avaliasse que, o que aqui se demonstra, é resultado de profunda reflexão noturna e que traduz todo cabedal cultural de meu cliente:
‘Bará, bará, bará,/ Berê, berê, berê,/ Bará, bará, bará,/ Berê, berê, berê, berê ./ Bará, bará, bará,/ Berê, berê, berê,/ É o (…)* Fazendo bará, berê ./ Bará, bará, bará,/ Berê, berê, berê,/ Bará, bará, bará,/ Berê, berê, berê, berê’”. Ao que, no final, o juiz profere a sentença:
“Culpados. Todos são culpados pela existência dessa m**da no cancioneiro brasileiro”.

* No referido espaço, aparecem os nomes da dupla ou, no caso de solo, do cantor que entoa a referia canção. Nesse caso, deixei em aberto em razão da polêmica citada.

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