LITERATURA E CINEMA

Não de agora, esse binômio “literatura e cinema” convive entre tapas e beijos.


Certamente você já deve ter visto algum filme baseado ou motivado por alguma obra literária e soltado a famosa frase “não tem nada a ver com o livro”. E você tem razão, já que literatura e cinema são linguagens artísticas distintas. Não que um “não tenha nada a ver com o outro”. Afinal, muitos dos elementos das narrativas de ambos se aproximam (ambientes, personagens, foco narrativo etc.).

Há quem acredite e insista que um possa substituir o outro. Nesse caso, fico pensando em alguns estudantes às vésperas dos vestibulares e os muitos livros que têm que ler… e aí, filmes como “Memórias póstumas de Brás Cubas”, “Capitães da Areia”, “Macunaíma”, entre outros, funcionam bem na percepção deles (estudantes) por serem “uma leitura mais rápida e prazerosa”.
Ledo engano.

Nos livros, escritores e escritoras têm espaço para pormenores, para o aprofundamento das palavras, para o encadeamento de cenários e vozes que são ressignificados pelo leitor. Nos livros há um pacto quase que particular entre escritor e leitor no que se refere ao fôlego dos dois, na intimidade da cama, da rede ou sob uma árvore… A “voz do texto” passa a ser a “voz do leitor”; as imagens e cenários suscitados pelo escritor, agora, são as imagens produzidas na cabeça do leitor, e por aí vai.

No cinema, a relação entre o diretor/cineasta e expectador/fruidor é sinestésica, ou seja, quanto mais explorar os sentidos (especialmente visual e auditivo), suscitando o intercâmbio entre eles, melhor. Os apelos visual e sonoro do cinema dão um caráter mais contemplativo em relação ao livro, exigindo do expectador/fruidor mais passividade na relação com o objeto de arte exposto.

Abaixo, relaciono três produções que me marcaram bastante, tanto na leitura dos livros quanto na fruição dos filmes baseados neles.

O NOME DA ROSA. Escrito pelo intelectual italiano Umberto Eco, lançado em 1980, é um romance histórico cujo enredo se passa em um mosteiro franciscano italiano em 1327, com uma série de mortes que despertam as atenções dos dirigentes da igreja católica. A fim de solucionar o mistério, o frei Guilherme de Baskerville é enviado para investigar os casos. A trama é toda costurada com humor, crueldade e eroticidade. Seis anos depois do lançamento do livro, foi lançado o filme homônimo, dirigido por Jean-Jacques Annaud e estrelado por Sean Connery no papel principal, cuja atuação lhe rendeu o prêmio Bafta de melhor ator.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA. Do Nobel José Saramago, lançado em 1995, o livro trata de uma “cegueira branca” que começa a tomar conta, um a um, dos moradores de uma cidade. É como uma espécie de doença contagiosa que, ao mesmo tempo em que vai contagiando as pessoas, obrigatoriamente, vai isolando-as e fazendo com que se sintam solidárias umas com as outras, já que são relegadas pelas autoridades, e se viram como podem. Uma cegueira que nos faz rever uma série de valores, antes despercebidos, por um outro tipo de “cegueira ilusória”, que nos faz enxergar algumas coisas e outras não (talvez as mais importantes); estas últimas, diante de nós sob a cegueira branca. Em tempos de isolamento, uma reflexão necessária. O filme de mesmo nome foi dirigido pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles e lançado em 2008. Ao lado de Meirelles, Saramago chorou emocionado ao terminar de assistir ao filme.

A HORA DE ESTRELA. Como concorrer com Clarice Lispector, não é mesmo? Mais uma razão para os que se aventuram a dialogar com escritores do calibre de Eco, Saramago e Lispector buscar um caminho próprio, seja por meio de filmes, peças teatrais, novelas etc… A hora de estrela é o livro de despedida de Clarice, que morreu pouco depois de seu lançamento, em 1977. Trata da história de Macabéa, alagoana, virgem e solitária, datilógrafa, nordestina, moradora do Rio de Janeiro. Macabéa é uma espécie de personagem-síntese do brasileiro, cuja fragilidade e desprestígio social dialogam com a utopia e a esperança. A morte é, por fim, o acesso ao paraíso tão desejado. Em filme de mesmo nome, lançado em 1985, dirigido por Suzana Amaral (falecida no final do mês passado), a personagem principal é encarnada magistralmente pela atriz Marcélia Cartaxo.

Estas são as minhas indicações, entre as muitas que poderiam ser dadas nessa relação entre literatura e cinema, duas expressões de arte tão importantes na formação cultural de todos nós. Agora, é só lê-los e assisti-los e deixar se envolver por cada um deles, lembrando que são linguagens distintas e que cumprem papéis distintos também, quer seja do ponto de vista constitutivo da obra, quer seja na perspectiva da recepção de cada um deles.

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