HOPPER, SALGADO E A PANDEMIA

Recentemente, a partir de convite feito pela Companhia Fábrica de Sonhos, de São José do Rio Preto, participei de duas lives abordando aspectos de obras de Edward Hopper e de Sebastião Salgado, pintor norte-americano e fotógrafo brasileiro, respectivamente, relacionando-os ao atual contexto de isolamento frente à COVID 19.


Gostaria de retomar dois dos aspectos abordados nas referidas lives, a saber: 1) a “solidão” nas obras de Edward Hopper e 2) os “excluídos” nas fotografias de Sebastião Salgado.


Edward Hopper foi um pintor norte-americano, representante do chamado Realismo Americano, atuando basicamente em Nova Iorque ao longo de toda sua vida, cuja morte ocorreu em 1967, aos 85 anos.

Detentor de um estilo marcante, suas obras são flagrantes sentimentos de solidão, introspecção, tédio e cansaço frente à vida urbana e o embate com a natureza, tanto pelos temas propostos quanto na (não)interlocução entre personagens e/ou cenas em suas obras, ou mesmo no jogo de luz e sombra/escuridão – outra forte característica em seus trabalhos; ou ainda na predileção por áreas de cor, na síntese visual com que compõe seus quadros, nos estudos meticulosos que as antecedem etc.


A “solidão”, portanto, foi o elo que busquei relacionar entre os trabalhos de Hopper e o atual cenário de isolamento ocasionado pela pandemia da COVID 19 em todo mundo. Cenas representadas em “Sunday” (1926), “Morning in a city” (1944), “Morning in sun” (1952), “Office in a small city” (1953) são alguns exemplos dessa representação da “solidão”, e não só por que trazem personagens em estado solitário e introspectivo, mas por todo o conjunto da obra, além do que foi citado, o embate entre civilização e natureza.


Apesar de distintas (a solidão em Hopper e a que vivemos nesse isolamento), ambas são resultado de escolhas pessoais a partir do modo de vida urbano configurado pela “quantidade” em detrimento da “qualidade”; a valorização do “ter” no lugar do “ser”; a busca da “individualidade” e o distanciamento do “coletivo”, e por aí vai. Aqui vale a reflexão proposta pelo filósofo Arthur Schopenhauer quando diz que “cada um fugirá, suportará ou amará a solidão na proporção exata do valor da sua personalidade. Pois na solidão, o indivíduo mesquinho sente toda a sua mesquinhez. O grande espírito, toda sua grandeza. Numa palavra: cada um sente o que é”.


Sebastião Salgado é mais conhecido do público brasileiro. Mineiro de Aimorés, hoje com 76 anos, ainda jovem partiu para a Europa a fim de aprofundar seus estudos em Economia e, por lá, a partir de 1973, começou a fotografar profissionalmente.


Salgado é um tipo de artista (mesmo não gostado de ser tratado com tal) a que chamamos “engajado ou militante”, haja vista seu trabalho constituir-se como uma espécie de crônica visual como voz dos menos assistidos socialmente. O principal interesse do fotógrafo – como ele mesmo gosta de falar nas muitas entrevistas dadas a jornais, televisões e sites do mundo todo – é o ser humano.


Carregadas de forte dramaticidade e sentimentos, tanto pelo contraste do preto e branco – característico em suas obras, quanto pela técnica “contra luz”, suas fotografias têm como protagonistas os excluídos.

Assim é em “Outras Américas”, cujo recorte são as condições de vida de camponeses e índios das américas central e sul; em “Trabalhadores”, cujas terríveis condições de vida dos trabalhadores em várias regiões do mundo são a tônica; bem como em “Terra”, “África”, “Êxodo” e outros livros/exposições cuja miséria humana e suas mais diferentes faces estão expostas a nos encarar e a nos fazer pensar, refletir e agir em relação a elas.


Contudo, e apesar de expor essa miséria, estabelece uma relação dialógica de solidariedade e valorização dos fotografados, num apurado senso de composição que o aproxima de outros mestres da fotografia como Martin Chambi, Eugene Smith, Henri Cartier-Bresson e outros. E quem são os que mais sofrem nesse confinamento possível para alguns e quase impossível para maioria da população brasileira se não os excluídos socialmente? (pessoas em situação de rua, crianças abandonadas, comunidades indígenas, quilombolas, periféricas e das favelas …).


A obra de arte, mais uma vez, está para nós, reles mortais, como uma janela para que possamos respirar e buscar, minimamente, compreender o que se passa à nossa volta.

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