FELIZ 2022. MAS PARA QUEM?

É claro que desejamos um ano novo muito melhor do que, ao menos, os dois últimos anos, marcados no mundo todo, especialmente no Brasil, por morte, caos e desesperança para muita gente, especialmente para os que se foram e os parentes deste que ficaram, vítimas da Covid-19. Mas é preciso ir além do desejo e encarar a realidade dos fatos. É necessário construir um feliz 2022.


Já são mais de 620 mil mortos em nosso País. Mais de 620 mil vidas ceifadas por um vírus que continua em nosso meio, ignorado por alguns, banalizados por outros, que persegue tirando vidas de crianças, jovens e adultos. São mais de 620 mil famílias enlutadas só no Brasil e isso deveria servir, no mínimo, como parâmetro para nossa dor e para nosso agir.


Um “feliz ano novo” verdadeiro precisa levar em conta os 20 milhões de famintos, os mais de 13 milhões de desempregados, os cortes orçamentários gigantescos na saúde, na educação, na cultura, na contramão de verbas homéricas destinadas a partidos políticos e ao orçamento secreto que beneficiam alguns mandriões que buscam manutenção no poder.


É preciso muito mais atenção a políticas de valorização e atenção às minorias, cujas (não) ações de governantes das mais diferentes matizes (e de pessoas comuns que atuam em nossos bairros e cidades) só envergonham nosso País e mundo. É preciso a vacinação em massa, a forma mais eficaz, como temos visto desde que esta foi iniciada no Brasil e no mundo, para combater esse vírus de morte, e, claro, frear urgentemente a agressão ao meio ambiente, às florestas e aos povos originários, como forma de manutenção das vidas.


Nós podemos pensar essa construção de um “feliz ano novo” sob diferentes formas. Como esta coluna propõe-se a pensar questões a partir das artes, especialmente, da literatura, deixo aqui algumas sugestões de leitura com base nos parâmetros estabelecidos acima, a saber: sobre a fome que assola nossa nação, sugiro a leitura de “Morte e vida Severina”, o clássico poema de João Cabral de Melo Neto, ainda tão marcante e atual; em relação a minorias, sugiro “Além do carnaval – a homossexualidade masculina no Brasil do século XX”, de James N. Green; “Pequeno Manual antirracista” de Djamila Ribeiro; “Ideias para adiar o fim do mundo”, de Ailton Krenak; “Não vão nos matar agora”, de Jota Mombaça; “Corpos que importam”, de Judith Butler; como contribuição de leitura no que se refere à educação, não poderia ser diferente indicar nosso ícone mor na educação brasileira, e também pelo mundo, Paulo Freire e sua vasta obra, com destaque para “Pedagogia do oprimido”, cada dia mais atual; como indicação de cultura, que tal ler “Cartas de Mário de Andrade a Luis da Camara Cascudo”?; para entender parte do contexto de morte e de caos social a que estamos mergulhados, um excelente livro é “A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro”, de Bruno Paes Manso; entre outros.


Para se fazer um ano melhor, um país melhor, um mundo melhor é preciso compreendê-lo melhor também e, a partir da compreensão clara das muitas e complexas questões que atravessam nossas sociedades, atuar sobre elas. Não dá pra ficar sentado em cima da ignorância, folgadamente largado sob a escuridão das trevas como se estivesse sob um edredom em dia de chuva e achar que tudo irá acontecer como que por osmose. Não; é preciso atuar para melhorar o que quer que seja. E sim; construir algo feliz e bom dá trabalho. É preciso dedicação e gasta energia. E a literatura, as artes de modo geral, são essenciais para a construção de um ambiente, de um país e de um mundo melhor em razão das muitas visões propostas por poetas, escritores e escritoras, artistas, arquitetos e arquitetas, dançarinos e dançarinas, cineastas, artesãos e artesãs… “A arte existe porque a vida não basta”, já disse Gullar. Os patuás, superstições, rezas e orações na virada do ano são apenas um dos ingredientes de ano novo e feliz. É preciso mais; “é preciso coragem”.


Muito mais que desejar um “2022 bom” para todas e todos nós é preciso construir, ou começar a construir, um ano novo bom e adequado, que traz a reboque de si, pelo menos, os próximos vinte anos e, para isso, é preciso engajamento, posicionamento e ação de cada um de nós. Por fim, não temos dúvidas, um feliz 2022 passa, necessariamente, pela vacinação em massa, uma tradução prática do tão propagado “amor ao próximo”. Vacine-se e vacine a quem você ama.

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