ARTE ENGAJADA: ENTRE O ESTÉTICO E O ÉTICO

Nina Simone, lendária cantora e musicista norte-americana, uma das responsáveis por colocar o jazz, o blues e o folk nos patamares mais elevados do cenário musical internacional, em um de seus emblemáticos concertos, certa vez afirmou: “O artista deve se posicionar sobre sua época e sobre sua realidade”. Ela própria, símbolo vivo de lutas contra o racismo – mulher, negra e pobre, acreditava no poder que todo artista tem ao se comunicar com o grande público, como forte instrumento de reflexão, diálogo e convencimento acerca de temas delicados e, por vezes, urgentes na sociedade.


Por “arte engajada” compreendemos a maior parte das manifestações artísticas ocorridas no entre-pós-guerras (as duas grandes guerras mundiais) europeu e que, no Brasil, coincide com o período da Ditadura Militar, entre os anos 1960 e 80, cujo foco foi denunciar ou protestar contra algo tido como inadequado, desumano, autoritário, castrador etc. etc. etc.


Entre os muitos exemplos de manifestações artísticas da chamada “arte engajada” a que poderíamos lançar mão, destaco três deles: na Europa, o que se determinou chamar “Arte degenerada”; no Brasil, o trabalho do artista plástico Artur Barrio; e, mundialmente, as manifestações por meio de pichações e grafites.


Quem determinou chamá-la de “Arte Degenerada” foi o próprio Hitler, numa exposição que reuniu diferentes trabalhos de Arte Moderna, no final dos anos 1930, entre os quais trabalhos de Pablo Picasso, Georges Braque, Lasar Segall, Henri Matisse, Marx Ernst, em cujas obras apareciam pessoas, formas e cores “fora do normal” e que, por isso mesmo, deveriam, na visão do ditador alemão e seus pares, ser expostas ao ridículo e expurgadas da sociedade tradicional europeia.


Artur Barrio, artista luso-brasileiro, com suas cé(re)lebres “Trouxas Ensanguentadas” causou frisson nos anos 1960 e 70 em capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, em plena Ditadura Militar brasileira, ao associar seu trabalho – uma mistura de pano, carne, osso, sangue, restos de comida, cabelo, urina e fezes, plásticos, entre outros materiais (coisa de “idiota útil”), jogados em córregos, vielas e lixões – às costumeiras práticas de “desovamento de corpos” por “Esquadrões da Morte”.


Grafiteiros e pichadores ou pichadores e grafiteiros são, em grande parte, faces da mesma moeda. O que hoje é cortejado e exposto com grande ênfase em museus afamados no mundo todo, foi, antes, objeto de queixa, agravo e, por vezes, “caso de polícia”. Nomes como “Os gêmeos”, “Saci”, “Kobra”, “Alex Senna”, “Mag Magrela”, só para ficar nos exemplos brasileiros, demoraram bastante tempo para conquistar seu espaço no chamado “universo da arte”. Entenda-se, aqui, como “arte” aquela “aceitável” pelo público burguês e, por isso mesmo, autorizada a habitar galerias, museus, entre outros espaços “nobres e importantes” de laureadas urbes.


E por que trago à tona esses exemplos? Por uma razão muito simples, muito objetiva: Temos fartos fatos que nos fazem compreender o porquê contextos governamentais como o que estamos vivendo atualmente no Brasil apelam para o silenciamento das artes, da filosofia, da sociologia e da educação de modo geral. Pensar, nesses contextos de poder, é perigoso e qualquer coisa que faça o povo pensar é igualmente perigoso.

Gostou do artigo? Compartilhe este conteúdo!