Liberdade. Uma palavra multifacetada, por vezes, exigente e complexa em sua conceituação. Para uns, objeto de desejo; para outros, um horizonte. Para alguns, algo prático, cotidiano; para outros, algo difícil de se relacionar, quase que nulo em suas vidas.
Arte. Outra palavrinha fluida, com diferentes formulações, alternando-se de tempos em tempos, de cultura para cultura, variando de acordo com os olhares que dão a ela. O que hoje consideramos “arte”, em outros tempos e contextos, não se passou apenas de uma expressão humana, um jeito de se dizer socialmente, de se perpetuar na memória geral.
Juntar liberdade e arte numa mesma sentença e reflexão, por si só, já é algo herculiano.
Para o intelectual francês Roland Barthes, a liberdade só é possível, justamente, no campo das artes, por meio do que chamou de “trapaça linguística”, ou seja, por meio da linguagem estética/literária, o poeta, o escritor, os artistas em geral, conseguem nos colocar num “universo” muito particular, onde podemos ser livres completamente, ainda que por alguns instantes. Para o poeta Mário Quintana, a poesia (arte, portanto) é uma espécie de “janela” onde podemos respirar (ter liberdade) e nos livrarmos um pouco de nosso cotidiano opressor. Para Octavio Paz, é justamente na poesia (na arte) que “… o homem finalmente toma consciência de ser mais que passagem”.
Preferi associar liberdade à arte e suas muitas expressões justamente porque, talvez, seja nessa nossa relação com a poesia e a literatura, com a pintura, com a dança, com a música, com a arquitetura, com o cinema, com o teatro, com o artesanato e as muitas formas de expressão artística humana que consigamos, de fato, sentir o que seria esse sentimento de “liberdade”. Para isso, penso, é pré-requisito que ela, a arte, não tenha amarras, que não haja nenhum tipo de censura a ela, seja por parte de quem for.
Que o/a artista, o/a grande responsável pela presença da arte em nossas vidas, seja livre para exprimir o seu pensar e repensar o mundo e todo o universo por meio da linguagem que lhe apraz, na aproximação daquilo que sente a partir de um determinado tema e/ou questão. Digo “aproximação” uma vez que é impossível exprimir tudo (e talvez nem seja esse objetivo dos/as artistas; antes, mesmo, deixar lacunas para que o/a fruidor/a também complete a obra/objeto/produto de sua arte) o que sentimos ou percebemos no pensar e repensar artístico.
Exemplos de censura das mais diversas, nas muitas linguagens artísticas, são provas incontestes do poder que a arte tem para nos colocar nesse lócus da liberdade; não fosse assim, não seria (a censura) uma das primeiras ações tomadas por governos totalitários e extremistas, ou mesmo ações extremistas em governos democráticos. Para ficarmos em exemplos mais recentes, lembremo-nos das “charges de Maomé” publicadas pelo jornal francês Charlie Hebdo, em 2015; da performance “La Bête”, do artista Wagner Schwartz, no MAM SP, em 2017; e do filme “Marighella”, estrelado por Seu Jorge e dirigido por Wagner Moura, de 2019 e que, somente agora, conseguiu ser exibido no Brasil.
Aquilo que é produzido/proposto pelo artista funciona como uma espécie de “sombra da caverna”, de Platão. E por que precisamos entrar em contato com essas “sombras”? Com as produções/manifestações artísticas? Lanço mão do dizer de um outro intelectual/artista, Ferreira Gullar, quando diz que “a arte existe porque a vida não basta”.
Desde que existimos, pensando em nossos antepassados pré-históricos, produzimos e consumimos arte. Ainda que de forma embrionária, a pintura, a música, a arquitetura, a dança etc. estavam presentes em nosso cotidiano. Justamente porque a vida prática, cotidiana, com suas métricas e repetições mecânicas não dão conta de nossas ansiedades e perspectivas como seres que pensam, que amam, que odeiam, que têm sonhos… É nessa lacuna que se inscreve a arte. E a liberdade está muito relacionada aos sonhos, à busca de algo bom, que nos traz algum tipo de tesão.
Talvez pelas ponderações apresentadas antes é que sentimos, ainda que por alguns instantes, o gosto da liberdade ao assistirmos a uma sessão de cinema, uma audição de um recital ou concerto, num giro observando pinturas e esculturas num museu, ao gastarmos os sapatos madrugada a dentro num baile, ao chorarmos frente a uma emocionante peça teatral.
Em tempo pandêmico como o que estamos vivendo, ficou ainda mais evidente o quanto as muitas expressões de arte são importantes não só para nos afastarmos desse cotidiano opressor, como também para mantermos nossa saúde mental em dia.