A SÃO PAULO, COM AMOR

Certo dia, quando dei as costas ao mar, encarei o continente. Seu José, mestre catequista, que andava a escrever na areia algumas palavras em língua indígena, convidou-me para um passeio terra adentro. Perguntei-lhe que muralha era aquela que se impunha à minha frente, e ele me respondeu que aquilo era a Serra do Mar. Ganhamos estrada então rumo a São Paulo – o engraçado era que ele a chamava de Piratininga (vá lá entender!). No meio do caminho, não de nossa vida, mas da estrada, parou um calhambeque e nos ofereceu carona. Enquanto dirigia, o Roberto nos disse que “preferia as curvas da estrada de Santos”. Seu José, lendo numa placa o nome da rodovia, virou-se para mim e deu um sorrisinho maroto.

Roberto nos deixou em uma praça, perto de um colégio. Na frente, um pátio enorme por onde passavam indígenas, africanos e europeus. Pensei comigo: cidade que inicia com um colégio só pode virar coisa boa. Ali peguei um bondinho da Light junto com o Adoniran, que quis me mostrar o cenário urbano. Passamos em um largo, no qual, diante do edifício de uma faculdade, imperava, imponente, um busto de um ex-aluno. Adoniran olhou para mim e disse que aquele ali “foi poeta, sonhou e amou na vida”. Do lado da estátua, um baiano, a plenos pulmões, declamava para uma multidão: “Auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança.”

No meio do passeio, o Adoniran me perguntou se não havia “ficado bonito o viaduto Santa Ifigênia”. Respondi que sim e lhe questionei o que existia antes naquele local onde havia um edifício muito alto. Ele me explicou que ali havia “uma casa velha, um palacete assobradado”. Foi então que ele deu bom-dia para um tal de Joca, que contemplava a construção. Adoniran se despediu e disse que precisava correr para pegar o trem para Jaçanã, pois, se o perdesse, só conseguiria outro “amanhã de manhã”. Antes, me apresentou um amigo seu, um tal de Arnesto, que me convidou para um samba em sua casa lá no Brás. Eu agradeci, mas recusei (eu não sou tatu!).

Ali encontrei o Paulo. Perguntei a ele sobre o Raul, e ele me disse que o amigo tinha ido fazer uma viagem de São Paulo a Curitiba, que havia deixado “a cidade sumida no silêncio da madrugada”. Topamos com o Alcântara, que estava muito indeciso, não sabendo se gostava mais do Brás, do Bexiga ou da Barra Funda. Pegamos um ônibus e, no caminho, vimos o Ronnie em seu carro. “Lá vai ele subir a rua Augusta a cento e vinte por hora”, pensei comigo. De repente, uma confusão. Uma multidão, carros policiais, gritos. O Paulo me disse que era apenas uma “cena de sangue num bar da avenida São João”. No cruzamento com a Ipiranga, vi um outro baiano, com cabelos encaracolados, olhando tudo com espanto, como se aquilo fosse “o avesso do avesso”.

Desci do ônibus no Anhangabaú e encontrei a Rita. Pedi a ela que me traduzisse São Paulo. Ela apenas respondeu que “o frio de São Paulo a fazia transpirar”. Começou a garoar, quando um rapaz, muito alto e muito educado, ofereceu-me seu guarda-chuva. Disse que se chamava Mário, e fomos caminhando pelas ruas da cidade. Passamos em frente ao TBC e, na euforia, eu quis gritar: “Viva Cacilda Becker!” – mas o teatro já estava fechado. Numa esquina, o Assis e o Guilherme conversavam sobre o futuro. Pareceu-me que eles cantavam: “Vingou como tudo vinga no teu chão, Piratininga.” Perto do Ibirapuera, encontramos o Borba, o Fernão e o Raposo, que se preparavam para mais uma jornada de aventuras.

Em frente ao Teatro Municipal, alguns amigos do Mário – o Oswald, o Menotti, a Anita e a Tarsila discutiam sobre a modernidade. Alguém passou zombando deles: “Meu pai foi à guerra! Não foi! Foi! Não foi!” (culpa do Manuel!). Eles até me deram um convite para um festival que aconteceria ali no dia 11 de fevereiro. Dali, eu e o Mário fomos até a Universidade de São Paulo. Lá encontramos o Antônio, que nos falou sobre “o direito à literatura”. Foi lá que conheci também a Lygia, que me apresentou três meninas, amigas suas – Lorena, Lia e Ana Clara. Antes de se despedir, o Mário disse para mim: “Quando eu morrer, enterrem meus joelhos na universidade.” Ao que eu respondi de pronto: “E, quando eu morrer, enterrem meu coração nesta universidade.” Saudade!

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