A PRESENÇA DE MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA

Diz o texto bíblico que a mulher foi criada logo depois do homem, em razão da solidão deste. Escrita eminentemente por homens, e no caso do texto citado, por um deles, Moisés, logo o que há de prevalência nos textos sagrados é a visão masculina, cujo foco narrativo é masculino também.


Evoco esse exemplo para dizer que, mesmo num registro tradicional patriarcal é impossível negar a presença das mulheres em tudo. Mas de que modo?


Falando especificamente em relação à produção literária, a presença – ou a menção, melhor dizendo, da mulher é um tanto quanto precária, pra não dizer nula, em muitos casos. Mais como resultado da ação machista e misógina e menos pela falta de criatividade, desejo e produção em relação à mulher. Ao contrário, estudos e pesquisas recentes em relação ao tema mostram o quanto a produção artística feita por mulheres foi negligenciada.


Em se tratando de Brasil, não é diferente. O protagonismo feminino terá especial ênfase a partir do Modernismo, quando nomes como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Pagu, Regina Graz, Zina Aita, Guiomar Novaes, entre outras aparecem em destaque. Outros nomes, em diferentes momentos de nossa história, especialmente depois do advento modernista, terão maior vazão na grande massa. A título de exemplos na literatura podemos citar: Carolina Maria de Jesus, Maria Ângela Alvim, Ana Cristina César, Maria Lúcia Alvim, Clarice Lispector, Nélida Piñon, Conceição Evaristo, Ana Maria Machado, Hilda Hilst, Zélia Gatai, Marina Colasanti, Cecília Meireles, entre outras. Parece muito, não é? Mas é muito pouco, comparado ao número de homens referenciados nos principais periódicos, livros e instituições ligadas ao livro.


Mesmo obras emblemáticas como a “História concisa da Literatura Brasileira”, de Alfredo Bosi, deixam a desejar no que se refere ao registro da atuação do feminino, enfatizando a produção feita por homens em suas citações. Numa pesquisa rápida feita por mim no sítio da Academia Brasileira de Letras – ABL, por ocasião da morte de Lygia Fagundes Telles, a fim de identificar justamente a presença de mulheres na ABL, pasmem, de um universo de 197 escritores empossados, apenas 9 foram/são mulheres; isso já contando com a posse da mais recente, a atriz Fernanda Montenegro.


Dada essa carência, lancei-me a pesquisar uma poeta em minha pesquisa de mestrado: “A obra poética de Maria Ângela Alvim: nas fronteiras do cânone”, sob orientação do professor doutor José Batista de Sales, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Oriunda de uma família de artistas, Ângela Alvim é uma poeta de um vigor bastante grande, com destaque para o seu primeiro e único livro lançado em vida, “Superfície”. Recebida de forma positiva pela crítica literária da época (estamos falando em 1951/52), foi aclamada por Carlos Drummond de Andrade, Alexandre Eulálio, Herbert Helder e outros. Mas, pasmem, esquecida pouco depois de sua morte. Minha dissertação, apresentada em 2008, foi o primeiro trabalho acadêmico sobre a poeta. Hoje há pouco mais de meia dúzia de trabalhos, incluindo teses de doutoramento sobre a autora.


Lygia Fagundes, assim como as demais que a precederam e a sucedem, assume, portanto, um papel fundamental, não somente pela qualidade de sua produção literária, como também pela a questão de gênero, rompendo com uma tradição patriarcal sedimentada através dos séculos e nos mais diversos lugares do mundo.


Meu encontro com essa escritora incrível ocorreu na 25ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, em 2018. Tive a sorte de tê-la ao meu lado por aproximadamente uma hora, quando de surpresa sentou-se no pequeno auditório para prestigiar uma homenagem prestada por três atrizes, com uma leitura dramática de trechos de uma de suas obras mais conhecidas, “As meninas”. Confesso que não sou de tietar artistas, mas a energia de estar ao lado dessa grande escritora me fez muito bem.


E por que chamo a atenção sobre a importância de termos as diferentes vozes e presenças de mulheres, mulheres negras e indígenas, homens e mulheres gays, pessoas com deficiência etc.? Por uma razão muito simples: é por meio da diversidade, dos diferentes pontos de vista que tomamos consciência de forma mais ampliada acerca das muitas visões de mundo, das várias facetas da verdade e, assim, abarcarmos as muitas questões pertinentes à nossa formação humana.


Uma notícia boa em relação à vaga deixada por Lygia Fagundes Telles na Academia Paulista de Letras foi o convite feito pelo presidente desta à também escritora, filósofa e professora Djamila Ribeiro para ocupar a vaga deixada por Telles. E a comemoração pode ser dupla, visto tratar-se de uma mulher negra. Sim, se a presença de mulheres nas artes é algo deficitário, como demonstramos até agora, falar da presença da mulher negra nas artes o hiato é ainda maior. Mas isso é um assunto para uma outra coluna.

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