A ARTE SALVA

“A Arte existe porque a vida não basta”. Dita pelo poeta maranhense Ferreira Gullar, esta frase ganha mais sentido nos dias atuais em que, orientados ao isolamento social, na maior parte do tempo estamos ouvindo músicas, assistindo a programas de televisão, séries, filmes, pintando, lendo, dançando, entre outras ações ligadas diretamente aos vários meandros da Arte. Mas por que não a valorizamos cotidianamente?


Precisou de uma pandemia para que as pessoas, obrigatoriamente, ficassem acuadas em suas casas e, sem nada pra fazer, buscar entreter filhos com filmes, cantigas e outras coisas mais; entreter-se pintando, cantando, dançando, tocando… E por que fazemos isso tudo? Porque o cotidiano não basta. Comprar coisas e pagar outras não é suficiente para nos satisfazer enquanto seres humanos. Cumprir burocracias dos muitos ofícios e profissões não nos traduz completamente como seres que precisam se relacionar com o subjetivo, com o imaterial, com o estético, com o místico… E nas artes encontramos largo espaço para essa relação.


Mas por que não prestamos atenção nessa nossa necessidade da relação que temos com as artes em nosso dia a dia e a preterimos costumeiramente? Por que somente nos aproximamos das expressões artísticas quando sobra um tempinho ou quando nos deparamos com elas num barzinho, num semáforo fechado, numa aula cansativa e obrigatória? Otto Lara Resende, escritor mineiro, em um de seus conhecidos contos afirma que “o que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio”.


Talvez tenhamos acostumado, desde as séries iniciais de nossa escolaridade; dos comentários nos sofás defronte a televisores vomitando banalidades; das poucas oportunidades que a urbe nos oferece em termos de museus, livrarias, cinemas, teatros, festivais de dança etc. a perceber e a nos relacionarmos com Arte como algo inexpressivo e banal ou inexistente e inatingível, ou tudo isso junto e misturado.


Exemplos não nos faltam pra ver o quanto o trabalho com Arte é importante, significativo e benéfico para sociedade quando feito com responsabilidade, investimento em infraestrutura adequados e na contratação de bons profissionais, na inserção nos locais mais diversos e com as mais singulares necessidades. Aí citamos projetos em música, literatura, teatro e dança em comunidades carentes nos vários estados brasileiros; as muitas unidades do Sesc espalhadas pelo Brasil inteiro, abarrotadas a cada apresentação; projetos como o Guri e Oficinas Culturais, para citar alguns aqui em São Paulo; entre outros, divulgados pontualmente em tevês e na internet, que ganham repercussão internacional, com apresentações em equipamentos prestigiadíssimos no chamado “primeiro mundo”.


Esperamos que, em meio a tantos aprendizados que esta pandemia a de deixar por todo mundo, um deles seja, para nós do terceiro mundo, o de que a Arte merece ser reconhecida, e com elas os profissionais que a produzem e atuam por meio dela.

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Antonio Luceni é escritor, artista visual e arquiteto-urbanista. Doutorando em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista – Unesp/ Câmpus São Paulo e Mestre em Letras/Estudos Literários pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS/ Câmpus Três Lagoas. É professor efetivo, por meio de concurso público, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP. Membro da Academia Araçatubense de Letras, ocupando a cadeira nº 15, e da União Brasileira de Escritores – UBE.

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